segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Do escrever

Finalmente volto a escrever, não vou dizer que foi por falta de tempo pois, mesmo tendo dia corridos ultimamente, tive sim, oportunidades pra escrever, mas não o fiz.
Semana passada um amigo perguntou se não voltaria a postar aqui, disse que iria sim, mas no momento andava sem inspiração, respondi sem pensar. Disse-me mais algumas palavras e eu apenas concordei sem me ater ao que ele falava, pois dali em diante passei a me indagar sobre o que eu havia dito sem pensar.


Dessas indagações surgiu esse texto, decidi falar sobre o ato de escrever em si.
Poderia comentar sobre várias outras coisas. Comemorei meu vigésimo aniversário recentemente, mas falar sobre ele me remeteria a passagem de tempo, a lembranças, à vida em si, coisas que já tratei por aqui. Não quero ser repetitivo. Há, também, coisas boas acontecendo na minha vida, e coisas ruins, mas tratarei delas outra hora. Vamos à metalinguagem.


Falava de inspiração, bom, vamos lá. Quando disse que respondi sem pensar àquela pergunta disse porque todas as vezes que escrevi por aqui não me senti lá muito inspirado, aliás, nem mesmo nunca tinha parado pra pensar bem no significado dessa palavra ou quanto ela contribui para a composição de qualquer coisa.
Sem um dicionário à mão recorri a um dicionário online:

ins.pi.ra.ção
sf (lat inspiratione) 1 Ato ou efeito de inspirar ou de ser inspirado. 2 Coisa inspirada. 3 Coisa ou pessoa que inspira. 4 Sugestão, insinuação, conselho. 5 Sugestão de origem transcendente ou psíquica, ou de qualquer objeto que tem virtude genética sobre o artista para o excitar à produção e lha orientar. 6 Estro, força inspiradora. 7 A marca do gênio ou do talento na obra do artista. 8 Mús Pausa que dura a quarta parte de um compasso. 9 Fisiol Movimento de dilatação da cavidade torácica, que tem como conseqüência a entrada de ar para os pulmões.

Não ajudou muito, afinal, dicionários são instrumentos demasiado cartesianos para explicar algo tão subjetivo, então vamos tentar de uma outra forma.

Os poetas antigos pediam inspiração às ninfas, aos deuses, outros tantos pediram ao mar, ao céu, às estrelas. Eu mesmo nunca a pedi a nenhum desses entes – ok, reconheço que não sou nenhum grande escritor e estou descrevendo um território que conheço pouco, porém já tenho uma pequena experiência em leitura e escrita que me permite ao menos formar uma opinião e pretendo expô-la aqui – e nem tampouco acredito que ela seja algo a nós concebido por esses entes, ou de origem transcendente como dito no dicionário. Muito menos que seja uma dama de vermelho que nos visita quando bem entende e vai embora sem nem ao menos dizer adeus. Acho que é, na verdade, algo muito mais simples e acessível. Mas o que é então? Antes de dizer o que penso sobre isso gostaria de abordar um outro fator tão ou mais importante do que a inspiração em si: o esforço, que aqui vou chamar de esforço literário.

Um bom texto tem que ser trabalhado, e muito bem trabalhado, e não sou só eu, pseudo-escritor, que o digo, pergunte a qualquer escritor de verdade que conheça.


-- A você o que parece?
-- Ah, uma mulher e uma bicicleta.
-- Hmm, bom, mas só isso? Dá pra dizer mais, não dá?
-- Pô, tem uma ilha, uma ponte, deve ser o mar ali, sei lá, cara.
-- Muito superficial. Não dá pra se esforçar mais?
-- Ah, sei lá veio, onde você ta querendo chegar que eu não entendi ainda?
--Perae, já te mostro.

-- E essa aqui?
-- Mano, o que você quer com isso?
-- Vai lá, tenta, o que você tá vendo?
-- Uma mulher, na chuva, ela é bonita, parece pelo menos, é que ta meio de lado não dá pra ver direito, e tá rindo.
-- Olha só, eu vou tentar, aí você me diz o que achou.
-- Belê.
-- Naquela noite a chuva não a incomodou, parecia nem reparar nas gotas que caiam e produziam na pele, primeiramente um impacto, e depois carícias ao escorrerem por todo o corpo. Tudo o que queria era aproveitar o momento, rir despreocupada, nunca se sentira tão bem. Por tempos permaneceu distante, amando em silêncio, a coragem não a deixou tomar atitude, mas tudo acabou acontecendo. Como perderam tanto tempo esperando se ambos tinham um amor correspondido? Agora não importava mais, o que importava era que estavam juntos. O beijo tímido foi curto, ele não ousou entrar, mas o que importa? Foi um beijo e selava-se ali o início uma grande história. Ela esperou ele ir embora e saiu a caminhar, sem se importar com a chuva, rindo-se. Desfrutando a felicidade que só a chegada daquilo que tanto esperamos pode nos proporcionar e convicta de que a felicidade não é um eco.
E aí?
-- Foi gay. HAuhauhaua

-- Ah, vai se foder. Huhahuahua.
--Zoeira, cara, ficou bom.


Quando falei sobre o esforço literário, falei sério, até aqui gastei exato cem minutos e ainda estou longe de terminar o post que, ainda sim, estará longe de genial.
Mas é assim? Só isso? Simples assim?Sentar, se esforçar e um grande texto sai? Não, afirmá-lo seria tirar toda a grandiosidade dos bons escritores, não é só isso, apenas esforço, e aí, entra o papo de inspiração.

Não é qualquer um que pode escrever uma grande obra, só com esforço. Se fosse assim eu já teria minha obra-prima. Quem sabe um dia eu consigo? Hahahaha.
Quem não tem uma experiência de leitura não escreve. Conheço várias pessoas já com a minha idade e se leram mais de 10 livros na vida toda é muita coisa. Pergunte a Saramago quantos livros ele leu e vai ter uma idéia do que eu quero dizer.
Então é isso? Ler bastante e escrever bastante?
Não, se fosse assim todos advogados, jornalistas, e profissionais das humanas seriam Machados, Clarices, Drumondes...
Tem que ter experiência de vida.

Quem nunca amou ou presenciou o amor não escreve bem sobre o amor, quem nunca odiou ou presenciou o ódio não escreve bem sobre o ódio. E quando eu digo presenciar digo tanto na vida real, como nos livros, nos filmes, nas pinturas ou em estórias (eu sei, agora tudo é história, mas continuarei grafando estória, um dia digo o porquê disso) contadas.
Alugue um filme romântico e verá: todas as garotas choram, mas os rapazes permanecem sem uma lágrima sequer no rosto. Isso porque 90% dos filmes românticos retratam a visão feminina do amor, que é bem diferente da masculina, por isso não nos toca.

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...


E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
Olavo Bilac

Com tudo isso e mais uma boa dose de talento, têm se um bom texto.
E a inspiração? Onde entra?
Pra mim a inspiração é isto: tudo que vivemos, tudo que experimentamos na vida, todos sentimentos, sensações.
Se não tivesse andado solitário naquela noite em Ribeirão Preto, provavelmente não teria escrito o meu último post. Se me disseres que isso é inspiração então acreditarei, porém em nenhum momento tive de pedi-la para as ninfas ou qualquer coisa do tipo, apenas tive de em um dia andar pelo centro e em um outro sentar, e gastar algumas horas escrevendo. Só isso.


-- E aí? Quer tentar denovo?
-- Não sei se adianta
-- Tenta lá, pô.
--Beleza. Acho que ela tava indo pra ilha, mas meio que não sabe se vai ou fica. As vezes eu sinto isso quando eu não sei direito como as coisas vão ser.
--Tipo, ela não sabe o que vai encontrar na ilha?
--Isso, por isso tá relutante.
--Ae ó, ta melhorando.
--Essa ilha aí pode ser qualquer coisa, qualquer coisa a que a gente tá indo, mas ainda tem receio, e a ponte é a passagem. Sempre quando a gente vai pra algum lugar novo dá medo, a gente pára na frente da ponte, mas depois que dá o primeiro passo fica mais fácil, a gente sabe disso, mas mesmo assim tem medo.
-- Olha só, cara, não falei que dava pra fazer melhor?
-- Só é, pode crer. Ahuauhua. E também tem a bicicleta, que é a vontade dela de mudar de fugir de onde ela tava, ela vai conseguir, é só passar essa hesitação e subir na bicicleta. Ae, não é que eu gostei da brincadeira...
--Viu,agora é só sentar e parar pra pensar que dá pra escrever um belo texto, não dá?
--Só dá, boto fé.


E tu? Tens tido inspiração.
Ela tem me visitado, tenho-a portanto.
E sobre o que poderias escrever?
Voltemos a um banco de praça...