segunda-feira, 30 de março de 2009

Seu L.

Todos os dias, seu L. vai até o restaurante buscar uma marmita, que será seu almoço e também sua janta. Seu L. não cozinha, não tem fogão e nem geladeira. Poderia ligar e pedir para lhe entregarem o almoço –não cobrariam a mais por isso --, mas prefere ir até lá buscá-lo.


Com um andar lento, rijo e desajeitado de um tronco corpulento que mal se equilibra sobre duas pernas finas e tortas, faz seu trajeto vagarosamente, sofrendo de um cansaço que só sente quem já andou por mais de oitenta anos. O nariz de batata, os olhos de peixe morto, o rosto marcado pelas rugas, a barriga grande, as pernas finas e o andar desajeitado o tornam uma figura desagradável de se olhar.


Ninguém sabe ao certo sua idade, ele também não saberia, não fosse o jornal que recebe todos os dias na porta de sua casa e o mantém informado sobre em que dia está. Mantêm-no informado também de muitas outras coisas, que de nada servem a ele, mas mesmo assim lê com entusiasmo.


Lá, espera prepararem a refeição sem a menor pressa. Sem pedir licença, sem ser convidado, sem se importar se gostariam de ouvi-lo e sem ater-se ao fato de que não é agradável incomodar duas pessoas quando elas comem, dirige-se a dois garotos que almoçam e inicia uma de suas maçantes e desagradáveis conversas de sempre.

“O Palmeiras perdeu, né?, mas ele já estava classificado, né?” Seu L. é palmeirense, sabe todos os jogos e todos os resultados da rodada, pois escuta na rádio ao programa de esporte todos os dias. A frase fora repetida umas cinco ou seis vezes ao longo da conversa, a qual mais se assemelhava com um monólogo, os rapazes apenas concordavam com a cabeça, ou com um “aham”. Teriam mandado-lhe à merda se não fosse o respeito aos idosos. Enquanto isso ele reproduzia fielmente a análise do comentarista da Jovem Pan a cerca da falta que fizeram aos dois times, Palmeiras e São Paulo, Diego Souza e Borges, respectivamente.


O falar é estranho, diz as palavras muito rapidamente, atropela algumas, engasga em outras, repete uma ou outra por vezes, é um falar afoito, uma ânsia de dizer, um dizer mais rápido que um pensar, uma fala difícil de ser compreendida.

Os dois jovens não estavam nem um pouco interessados, assim como não estavam interessados nos assuntos seguintes. Seu L., tal qual como fizera com o discurso do comentarista, reproduzia exatamente o discurso do radialista apresentador do jornal matutino, conferindo os devidos créditos. “O seu Roque falou na rádio”. Falava sobre a falta de chuvas na região, sobre como no restante do estado chovera bem, mas na nossa região não e como isso prejudicou a agricultura.


Os garotos ficavam cada vez mais impacientes com a incômoda figura, porém seu L. não percebia. Os dois tiques nervosos, olhos que não paravam de piscar e uma língua sendo colocada pra fora da boca de tempos em tempos, aliados ao vício de linguagem, “né”, tornavam a cena ainda mais patética.


Lembro-me da última vez que vi seu L. Me incomodara com conversa sobre futebol, na época o time em questão era o Corinthians e o assunto era o rebaixamento, e sobre conflitos em alguma região do Amazonas que ouvira na rádio. Aposto que mal sabe achar o Amazonas no mapa, mas sabia mais sobre os acontecimentos do lugar que eu. “O moço da rádio disse”.Lembro também de chamar mais atenção os seus tiques do que o conteúdo da fala. Seu L. continuava o mesmo.


Escuta ao rádio, não tem TV. Acorda cedo, pois assim se acostumara desde a mocidade, lê o jornal, depois liga o aparelho, ali fica até a hora do almoço. Depois de almoçado, volta ao rádio até de tardezinha. Janta e novamente volta ao rádio após a refeição. Isso porque seu L. não tem parentes e nem amigos vivos, só um sobrinho, que gentilmente lhe cede a casa em que mora e uma ajuda financeira, mas não o visita.


Ele costuma repetir tudo que escuta no rádio ou lê no jornal, só faz isso o dia inteiro. O problema é que não percebe que as pessoas podem não estar tão interessadas quanto ele no Palmeiras, nas chuvas ou no Xingu, e ele pode estar incomodando-as.


Depois que cansou de azucrinar os dois rapazes foi incomodar uma senhora que também esperava servirem lhe a refeição. Falou novamente sobre a derrota do palmeiras, “O Palmeiras perdeu, né? Mas ele já estava classificado, né”, e falou também que o time jogaria em Itápolis, porém estava velho demais pra ir a um estádio. Disse depois que o seu Roque falou no matutino não estar esperando o principal elenco palmeirense, pois os jogadores seriam poupados para a Libertadores. Por fim, terminou falando sobre a comida do restaurante. Essa senhora mostrou-se menos apática, porém conversava mantendo o semblante de quem o fazia por obrigação, ou por pena. A mania de colocar a língua para fora a enojava, pois desviava o olhar do rosto do velho sempre que ela saía do lugar onde deveria ficar, dentro da boca.


Por fim, a marmita de seu L. ficou pronta e ele despediu-se de todos que responderam “tchau”, mas querendo dizer: “graças a Deus”.


Ele foi embora, com seu andar desajeitado e lento, levando consigo o almoço, o peso da idade e a solidão de quem só tem um rádio a lhe esperar em casa e mais ninguém, e nem mais oportunidade, para conversar.


Mas que porra! Será que ninguém percebeu que, com suas conversas chatas, sua inocente falta de educação e seu falar atrapalhado, ele só queria aquilo que nós também buscamos o tempo todo, todos os dias.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Ditadura do Ótimo

Ontem mesmo estava me olhando no espelho e achei-me magro. Aliás, reparando bem, tudo que tenho feito nos últimos dois anos é perder peso. Também, é compreensível, muito estudo e algumas baladas me deixaram sem tempo de sobra para treinar adequadamente. Sem falar que no último mês estive parado.
Com isso fiquei pensando que fosse tempo de reatar a velha forma. Daí me vieram algumas idéias que me incomodaram, vejam se acompanham e concordam.

Tinha um professor o qual usava uma expressão até meio recorrente -- já a ouvi em outros lugares--, “ditadura do ótimo”, querendo dizer que hoje não adianta ser bom, tem que ser ótimo. É uma expressão muito adequada.

É difícil apontar com precisão a causa disso, alguns dizem que a mídia impõe um padrão de beleza a ser seguido. Não é bem por aí, tais padrões sempre existiram na história da humanidade, mudam com o tempo, mas sempre existiram. A diferença é que hoje, o homem é mais pressionado a seguí-los do que antes. Não vou ficar analisando a sociedade atrás das causas e agravantes dessa “ditadura do ótimo”, pois não sou nenhum antropólogo e posso acabar dizendo besteira, quero usar exemplos mais subjetivos.


Sair na noite, principalmente lá em Ribeirão, era o mesmo que dizer ver uma galera excessivamente bonita, bem arrumada, gastando com bebidas, por vezes caras. Ou seja, não diz respeito só à beleza, tem que ser bonito, ter corpão, estar bem arrumado ser bem sucedido e ostentar. É como se a noite viesse pra você e dissesse: “Compre roupas caras! Se arrume! Vai Malhar! Vai ser alguém na vida!”. E querendo ou não, as pessoas se sentem impelidas a isso.
Se o problema fosse só esse tudo bem, mas no dia seguinte temos que ir à escola, no meu caso, o COC, e aquilo parece mais um desfile de moda (por isso que eu sou a favor de uniform
es, mesmo para salas de cursinho). Na TV só gente bonita. Numa entrevista de trabalho você tem que estar bem vestido, ter um excelente currículo. E é assim em todo lugar.

Tenho outro exemplo ainda mais subjetivo. Não sou nenhum Don Juan, mas até dá pra dizer que faço algum sucesso entre as garotas, mas quando eu era magrelo, cabeludo e cheio de espinhas na cara eram poucas as que me queriam. Mas que porra, é o mesmo Rodolfo!

Parei no último parágrafo e reli o que escrevi, tenho esse costume. Devo fazê-lo ainda mais uma vez antes de postar. Até agora me pareceu um discurso de um indivíduo oprimido pela sociedade opressora. Mas é aí que entra a pior parte do meu pensamento.
Não ligo pra roupa de marca, mas também não compro qualquer coisa só por ser barato. Preocupo-me em sempre estar vestindo uma boa beca. Além do mais gasto muito dinheiro com perfumes e com medicamentos para as espinhas. Na academia, tento sempre manter a saúde em primeiro lugar – tenho um pequeno problema cardíaco, nada de mais, mas preciso de exercícios aeróbicos –, entretanto não posso negar que a estética também é um objetivo. Também já não posso contar quantas meninas legais que eu dei fora por não serem bonitas o bastante, ou quantas garotas lindas que fiquei as quais eram muito mais bonitas com um sapato na boca, pra não dizer outra coisa. Quase sempre me arrependi.


Disse anteriormente pior parte, pois mesmo sabendo de tudo isso, compactuo com a tal ditadura. E o faço, porque lutar contra isso é inútil, e ignorar é besteira. Não dá pra achar que eu sozinho vou mudar a cabeça das pessoas no mundo todo. No máximo posso escrever sobre isso num blog qualquer para alguns poucos leitores. Tudo que eu poderia fazer é ignorar isso, largar todas essas bobagens, afinal, não devo nada para ninguém. Será?

Todos e tudo a sua volta sempre esperam e cobram algo de você, e um dia ou outro você também vai esperar ou cobr
ar algo de alguém ou alguma coisa a sua volta, não dá para ignorar isso, então, pensar daquela forma mais atrapalha do que ajuda. Aí podemos incluir a sociedade. Ela cobra o ótimo de você, e você precisa das pessoas que fazem parte dela de uma forma ou de outra. Em outras palavras, é preciso jogar o jogo dela. Se não preciso, ao menos conveniente.

“Quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria, era provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém”

Legião Urbana


Mas uma coisa eu sei. Não sou, não serei e nem pretendo ser "mala". Aqui em Ibitinga, diz-se mala aquela pessoa que pensa ser superior as outras justamente pela sua ostentção e busca incessante pelo ótimo excessivas e valorizam essas características. A ditadura do ótimo explica a existência de pessoas assim, mas não as justifica.

Apesar de tudo, me satisfaz saber que conhecendo esse processo posso usufruir dele, sabendo defender-me. Sabendo até que ponto buscar uma aparência melhor é saudável ou necessário. Sabendo que o ser humano não é essa carcaça que se mostra, somos entranhas, vísceras, corações, almas, mentes. Que se pode encontrar muito mais atrás do espelho. Que mergulhando abaixo da superfície se pode encontrar muito mais. Ou muito menos. E posso portanto, procurar nas outras pessoas -- e em mim também -- o que elas são e não apenas o que parecem ser.
E isso é o que me fez compartilhar esse pensamento.

Segunda-feira volto pra academia.

PS: esse post foi alterado com o propósito de deixá-lo mais claro. Espero ter funcionado.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Feliz Natal

Nicholas era mais velho que o pecado e sua barba não podia ficar mais branca. Ele queria morrer.

Os anões nativos das cavernas do Ártico não falavam sua língua, mas chilreavam na deles e realizavam rituais incompreensíveis quando não estavam trabalhando nas fábricas.

Uma vez por ano, forçavam-no, aos prantos e sob protestos, pela Noite Sem Fim. Durante a jornada, permaneceria ao lado de cada criança do mundo, deixando um dos presentes invisíveis dos anões ao pé da cama.

As crianças dormiam, congeladas no tempo.

Ele invejava Prometeu e Loki, Sísifo e Judas. Seu castigo era mais sombrio.

Ho.
Ho.
Ho.

- Neil Gaiman

Gosto desse conto do Neil Gaiman, pois o acho iconoclasta.

Quer ouvir outro?

Era uma vez uma festa pagã que cultuava o Deus Sol, o cristianismo viu e disse:

--Nossa, que festa legal, podemos aproveitá-la. Põe o Menino Jesus ali no cantinho do Sol. Isso, agora põe ele ali junto com o Sol. Aí, não, calma, diminui um pouco o Sol. Isso, agora aumenta o Menino Jesus. Pronto, agora tira o Sol, deixa só ele.

Passa o tempo, vem o capitalismo e diz:

--Nossa, que festa legal, podemos aproveitá-la. Põe o Papai Noel ali no cantinho do Menino Jesus. Isso, agora põe ele ali junto com o Menino Jesus. Aí, não, calma, diminui um pouco o Menino Jesus. Isso, agora aumenta o Papai Noel. Pronto, agora tira o Menino Jesus, deixa só ele.

Todos comemoram e trocam presentes.

Tudo bem, eu sei que não foi muito criativo, nem muito engraçado e muito menos de bom gosto, mas é uma forma de ver as coisas.

Não pensem com isso, que eu criei este post para falar mal do Natal, dizer que eu odeio a data e que não passa de uma convenção capitalista onde as pessoas consomem de forma quase compulsória e tantas outras coisas comuns de se escutar. Pelo contrário, gosto do Natal.

É que dizem muito sobre o Natal, dizem que é data de reconciliação, de fraternidade, de solidariedade e desejar o bem ao próximo. Eu não me sinto mais caridoso no Natal, nem mais inclinado a perdoar ou ajudar. Nem tampouco me lembro mais de Cristo do que o de costume. Acho todos esses sentimentos muito bonitos, mas não são para serem lembrados uma vez por ano. Deviam fazer parte do nosso dia-a-dia, da nossa cultura e serem lembrados todos os dias, não só nessa data.

Gosto do Natal porque é uma ótima oportunidade para rever alguns parentes, para dar e receber presentes, para ouvir e desejar um Feliz Natal – é bom desejar coisas boas a quem merece e é bom receber tais votos – e porque as cidades ficam enfeitadas, é bonito de se ver. Só por isso.

Só criei mesmo esse post para desejar a todos um FELIZ NATAL sem demagogias.


E caso não voltar a escrever, um próspero Ano Novo também.

sábado, 1 de novembro de 2008

Um Lamento

Venho, um pouco atrasado é certo, comentar sobre um fato ocorrido recentemente no país.
Demorei um tanto a fazê-lo por dois motivos : o primeiro, é que não quis me precipitar, esperei o desfecho, esperei o pronunciamento de pessoas que trabalham com o isso para poder ter uma opinião bem formada sobre o assunto, e o segundo, e talvez principal, foi a falta de tempo para escrever.
Nunca fui uma pessoa alienada, mas é fato que ninguém viu ainda por aqui abordagem sobre questões sociais. Acho que por ainda estar receoso; a experiência de escrever publicamente -- mesmo que de maneira modesta, para poucos amigos -- é nova para mim, mas agora já me sinto seguro o bastante para trazer a este blog tais discussões.
Sem mais demora, o assunto que gostaria de tratar nesse post é o caso do seqüestro em Santo André, não ele em si, mas pretendo resgatá-lo para fazer outras reflexões.

Acho que qualquer comentário sobre o que ocorreu faz-se desnecessário, uma vez que o estardalhaço midiático criado em cima do caso acabou por deixar todos, mesmo aqueles que não se interessaram e não pretendiam acompanhar tal fato, informados.
Não vou falar sobre o que aconteceu. Também não vou falar sobre minha revolta e insatisfação com a questão da segurança (ou seria insegurança?) pública do país pois, afinal, são assuntos conhecidos de todos e não quero cair na mesmice.

Sobre a ação da polícia, um breve comentário:
Ela foi precipitada e errou. Devolver a refém liberta ao cativeiro é algo inconcebível. Não quero entrar na polêmica do “houve ou não houve um tiro antes da invasão?”, pois isso não muda em nada a responsabilidade da polícia no triste desfecho do caso. Errou e ponto.
Tenho escutado constantemente coisas do tipo “porque um atirador de elite não matou logo de vez o seqüestrador?” , “se fosse nos EUA tinha sido diferente, lá eles matam mesmo” ou apoio à declaração do Cap. Pimentel ( ex-BOPE) que se dependesse dele a polícia não invadiria o local sem armas letais.
Tenho escutado isso, inclusive, de pessoas cuja opinião eu respeito, mas não concordo por um simples motivo:
O Estado deve zelar pelo bem estar do cidadão e tem responsabilidade sobre a formação, saúde e integridade física dele, torne-se ele um criminoso ou não.
Até os disparos que tiraram a vida de uma garota e feriram a outra, o seqüestrador não havia feito menção efetiva de atirar, portanto o não uso de um atirador de elite no caso foi sim, correto. Claro que um disparo certeiro em Lindemberg teria evitado a morte de Eloá, mas quem poderia prever que o desfecho seria esse?
Para ser mais claro, a ação da polícia deve sempre visar a integridade das vítimas, primeiramente, é óbvio, mas também do seqüestrador, e foi nesse sentido que a polícia tentou agir. Infelizmente, sem sucesso.

Não quero levar muito mais adiante essa discussão porque a mídia já a explorou tanto que acho que todos já estão mais do que fartos dela.
O que eu pretendo abordar aqui é algo que na mídia não se tem visto, pois diz respeito a ela e a sua ação.
Algo tem sido discutido sobre isso entre a elite pensante, é possível encontrar alguma coisa sobre o assunto na internet ( gosto muito do
http://www.observatoriodaimprensa.com.br ), mas é uma pena que esse tipo de discussão não chegue as grandes massas, que têm a mídia como principal fonte de informação e principal formadora de opinião.
Mas é compreensível. Que interesse teriam as redes de rádio e TV em discutir sua própria forma de agir e suas responsabilidades?

Pra começar, gostaria de dizer que o que se viu nos últimos dias foi, no mínimo, deplorável. Esse show do horror proporcionado pela transmissão do seqüestro quase que 24hrs por dia é não só de uma irresponsabilidade imensurável como repugnante. Ver boa parte da nação esperando o fim do caso como quem espera o último capítulo de uma novela me deixa revoltado e triste ao mesmo tempo.
Em nenhum país que se preze um seqüestro é transmitido. Será que ninguém percebeu ainda que esse tipo de coisa só atrapalha a polícia e as pessoas realmente interessadas em resolver a situação? O número de operações fracassadas do GOE é muito baixo para os padrões brasileiros. Por que falhou nessa? Coincidência?
A pressão exacerbada que a opinião pública exerce em casos como esse sobre governos e Estados gera, por vezes, soluções improvisadas que quase sempre se mostram desastrosas. Quer outro exemplo que não seja o caso Eloá? Em 2005, se não me engano, um policial do BOPE ao tentar matar um seqüestrador atingiu a vítima e a matou.
Logo virá outro caso parecido com esse. E aí? O que vamos fazer? Comprar pipocas e acompanhar outra tragédia?
Talvez estivesse na hora dopapel da mídia ser repensado e suas responsabilidades também. Não pretendo dar aqui soluções, pois não as tenho, mas vale a pena pensar no assunto.
Bom, era isso que eu queria lembrar sobre o caso. Não acho que a mídia foi a grande responsável por tudo que ocorreu, mas sei que ela tem sua parcela de culpa, e queria, com esse post, fazer com que não nos esqueçamos disso.





PS: Não pensem que por tudo que escrevi eu acredite que esse tipo de coisa só ocorre no Brasil porque o país é uma merda e que a Rede Globo é uma emissora atipicamente má e todas essas coisas que ouvimos em conversa de boteco.
O que ocorreu aqui ocorre também em outros países, – obviamente na Inglaterra, França ou em outros Estados onde a mídia é mais responsável e melhor fiscalizada uma transmissão como essa não ocorreria, mas acontecem coisas similares – mas não com tal intensidade. Esse é um fenômeno recente e mundial.
Outro ponto é que o fenômeno não tem efeito apenas imediato. Quero dizer no sentido de que esse sentimento de que “algo deve ser feito” não aparece apenas em casos como o seqüestro de Santo André, mas pode aparecer em longo prazo e ficar incrustado na sociedade.
Logicamente essa revolta deve existir, afinal as coisas quando estão mal devem ser mudadas, porém isso do “algo tem que ser feito” sem a reflexão da sociedade como um todo de o que seria esse “algo” e como ele seria “feito” gera medidas improvisadas e equivocadas também nos planos de certos governos.
Um exemplo do que digo aqui é a ocupação dos morros cariocas pelo exército que culminou com confrontos e até morte de jovens inocentes no começo desse ano.
Em casos como esse, os governos, pressionados pelo povo e pela mídia, sentem-se forçados a mostrar que “estão fazendo algo” sem se preocuparem se esse algo vai resolver o problema ou piorá-lo, o importante é fazê-lo para garantir a próxima eleição.
Tudo tem que ser pensado e refletido, não só pelos governantes, mas também pelo povo. A mídia tem força para ajudar nisso, mas não o tem feito. Infelizmente, tudo o que se tem visto por parte da mídia são casos como o de Santo André, que não geram qualquer reflexão e só aumentam esse sentimento de que “algo tem que ser feito”.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Do escrever

Finalmente volto a escrever, não vou dizer que foi por falta de tempo pois, mesmo tendo dia corridos ultimamente, tive sim, oportunidades pra escrever, mas não o fiz.
Semana passada um amigo perguntou se não voltaria a postar aqui, disse que iria sim, mas no momento andava sem inspiração, respondi sem pensar. Disse-me mais algumas palavras e eu apenas concordei sem me ater ao que ele falava, pois dali em diante passei a me indagar sobre o que eu havia dito sem pensar.


Dessas indagações surgiu esse texto, decidi falar sobre o ato de escrever em si.
Poderia comentar sobre várias outras coisas. Comemorei meu vigésimo aniversário recentemente, mas falar sobre ele me remeteria a passagem de tempo, a lembranças, à vida em si, coisas que já tratei por aqui. Não quero ser repetitivo. Há, também, coisas boas acontecendo na minha vida, e coisas ruins, mas tratarei delas outra hora. Vamos à metalinguagem.


Falava de inspiração, bom, vamos lá. Quando disse que respondi sem pensar àquela pergunta disse porque todas as vezes que escrevi por aqui não me senti lá muito inspirado, aliás, nem mesmo nunca tinha parado pra pensar bem no significado dessa palavra ou quanto ela contribui para a composição de qualquer coisa.
Sem um dicionário à mão recorri a um dicionário online:

ins.pi.ra.ção
sf (lat inspiratione) 1 Ato ou efeito de inspirar ou de ser inspirado. 2 Coisa inspirada. 3 Coisa ou pessoa que inspira. 4 Sugestão, insinuação, conselho. 5 Sugestão de origem transcendente ou psíquica, ou de qualquer objeto que tem virtude genética sobre o artista para o excitar à produção e lha orientar. 6 Estro, força inspiradora. 7 A marca do gênio ou do talento na obra do artista. 8 Mús Pausa que dura a quarta parte de um compasso. 9 Fisiol Movimento de dilatação da cavidade torácica, que tem como conseqüência a entrada de ar para os pulmões.

Não ajudou muito, afinal, dicionários são instrumentos demasiado cartesianos para explicar algo tão subjetivo, então vamos tentar de uma outra forma.

Os poetas antigos pediam inspiração às ninfas, aos deuses, outros tantos pediram ao mar, ao céu, às estrelas. Eu mesmo nunca a pedi a nenhum desses entes – ok, reconheço que não sou nenhum grande escritor e estou descrevendo um território que conheço pouco, porém já tenho uma pequena experiência em leitura e escrita que me permite ao menos formar uma opinião e pretendo expô-la aqui – e nem tampouco acredito que ela seja algo a nós concebido por esses entes, ou de origem transcendente como dito no dicionário. Muito menos que seja uma dama de vermelho que nos visita quando bem entende e vai embora sem nem ao menos dizer adeus. Acho que é, na verdade, algo muito mais simples e acessível. Mas o que é então? Antes de dizer o que penso sobre isso gostaria de abordar um outro fator tão ou mais importante do que a inspiração em si: o esforço, que aqui vou chamar de esforço literário.

Um bom texto tem que ser trabalhado, e muito bem trabalhado, e não sou só eu, pseudo-escritor, que o digo, pergunte a qualquer escritor de verdade que conheça.


-- A você o que parece?
-- Ah, uma mulher e uma bicicleta.
-- Hmm, bom, mas só isso? Dá pra dizer mais, não dá?
-- Pô, tem uma ilha, uma ponte, deve ser o mar ali, sei lá, cara.
-- Muito superficial. Não dá pra se esforçar mais?
-- Ah, sei lá veio, onde você ta querendo chegar que eu não entendi ainda?
--Perae, já te mostro.

-- E essa aqui?
-- Mano, o que você quer com isso?
-- Vai lá, tenta, o que você tá vendo?
-- Uma mulher, na chuva, ela é bonita, parece pelo menos, é que ta meio de lado não dá pra ver direito, e tá rindo.
-- Olha só, eu vou tentar, aí você me diz o que achou.
-- Belê.
-- Naquela noite a chuva não a incomodou, parecia nem reparar nas gotas que caiam e produziam na pele, primeiramente um impacto, e depois carícias ao escorrerem por todo o corpo. Tudo o que queria era aproveitar o momento, rir despreocupada, nunca se sentira tão bem. Por tempos permaneceu distante, amando em silêncio, a coragem não a deixou tomar atitude, mas tudo acabou acontecendo. Como perderam tanto tempo esperando se ambos tinham um amor correspondido? Agora não importava mais, o que importava era que estavam juntos. O beijo tímido foi curto, ele não ousou entrar, mas o que importa? Foi um beijo e selava-se ali o início uma grande história. Ela esperou ele ir embora e saiu a caminhar, sem se importar com a chuva, rindo-se. Desfrutando a felicidade que só a chegada daquilo que tanto esperamos pode nos proporcionar e convicta de que a felicidade não é um eco.
E aí?
-- Foi gay. HAuhauhaua

-- Ah, vai se foder. Huhahuahua.
--Zoeira, cara, ficou bom.


Quando falei sobre o esforço literário, falei sério, até aqui gastei exato cem minutos e ainda estou longe de terminar o post que, ainda sim, estará longe de genial.
Mas é assim? Só isso? Simples assim?Sentar, se esforçar e um grande texto sai? Não, afirmá-lo seria tirar toda a grandiosidade dos bons escritores, não é só isso, apenas esforço, e aí, entra o papo de inspiração.

Não é qualquer um que pode escrever uma grande obra, só com esforço. Se fosse assim eu já teria minha obra-prima. Quem sabe um dia eu consigo? Hahahaha.
Quem não tem uma experiência de leitura não escreve. Conheço várias pessoas já com a minha idade e se leram mais de 10 livros na vida toda é muita coisa. Pergunte a Saramago quantos livros ele leu e vai ter uma idéia do que eu quero dizer.
Então é isso? Ler bastante e escrever bastante?
Não, se fosse assim todos advogados, jornalistas, e profissionais das humanas seriam Machados, Clarices, Drumondes...
Tem que ter experiência de vida.

Quem nunca amou ou presenciou o amor não escreve bem sobre o amor, quem nunca odiou ou presenciou o ódio não escreve bem sobre o ódio. E quando eu digo presenciar digo tanto na vida real, como nos livros, nos filmes, nas pinturas ou em estórias (eu sei, agora tudo é história, mas continuarei grafando estória, um dia digo o porquê disso) contadas.
Alugue um filme romântico e verá: todas as garotas choram, mas os rapazes permanecem sem uma lágrima sequer no rosto. Isso porque 90% dos filmes românticos retratam a visão feminina do amor, que é bem diferente da masculina, por isso não nos toca.

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...


E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
Olavo Bilac

Com tudo isso e mais uma boa dose de talento, têm se um bom texto.
E a inspiração? Onde entra?
Pra mim a inspiração é isto: tudo que vivemos, tudo que experimentamos na vida, todos sentimentos, sensações.
Se não tivesse andado solitário naquela noite em Ribeirão Preto, provavelmente não teria escrito o meu último post. Se me disseres que isso é inspiração então acreditarei, porém em nenhum momento tive de pedi-la para as ninfas ou qualquer coisa do tipo, apenas tive de em um dia andar pelo centro e em um outro sentar, e gastar algumas horas escrevendo. Só isso.


-- E aí? Quer tentar denovo?
-- Não sei se adianta
-- Tenta lá, pô.
--Beleza. Acho que ela tava indo pra ilha, mas meio que não sabe se vai ou fica. As vezes eu sinto isso quando eu não sei direito como as coisas vão ser.
--Tipo, ela não sabe o que vai encontrar na ilha?
--Isso, por isso tá relutante.
--Ae ó, ta melhorando.
--Essa ilha aí pode ser qualquer coisa, qualquer coisa a que a gente tá indo, mas ainda tem receio, e a ponte é a passagem. Sempre quando a gente vai pra algum lugar novo dá medo, a gente pára na frente da ponte, mas depois que dá o primeiro passo fica mais fácil, a gente sabe disso, mas mesmo assim tem medo.
-- Olha só, cara, não falei que dava pra fazer melhor?
-- Só é, pode crer. Ahuauhua. E também tem a bicicleta, que é a vontade dela de mudar de fugir de onde ela tava, ela vai conseguir, é só passar essa hesitação e subir na bicicleta. Ae, não é que eu gostei da brincadeira...
--Viu,agora é só sentar e parar pra pensar que dá pra escrever um belo texto, não dá?
--Só dá, boto fé.


E tu? Tens tido inspiração.
Ela tem me visitado, tenho-a portanto.
E sobre o que poderias escrever?
Voltemos a um banco de praça...

sábado, 6 de setembro de 2008

Passeio Noturno

Não, esse post não tem nada a ver com a obra de Rubem Alves, o nome é mera coincidência. Ontem a noite não estava muito boa, nada pra fazer. Voltando pra casa senti vontade de deixar o carro e andar a pé pela cidade. Não o fiz, preferi dormir.
Acho que essa vontade me veio por culpa de uma noite na cidade de Ribeirão Preto.

Voltava pra casa, o caminho era curto, mas faço um desvio. O porquê eu não sei, mas tive vontade. Talvez fosse por estar levemente embriagado, talvez fosse pelo fato do clima estar agradável -- gosto do calor dessa cidade-- ou talvez e muito provavelmente, sem motivo algum.
As ruas bem iluminadas -- não eram, mas época de eleição tudo muda – e o cheiro que só cidade canavieira tem, misturado ao agradável perfume de jasmins plantadas pela prefeitura. A típica fragrância ribeirão pretana, jasmim com vinhoto.
Lembro-me que não é algo muito inteligente o que fazia. O centro tem sido palco de alguns assaltos, mas as ruas estavam desertas e ainda não haviam me levado nada, concluo que estou com sorte e prossigo. Mais à frente dois rapazes morenos, não bem vestidos como eu seguem no sentido contrário, achei que minha sorte tinha acabado. Puro preconceito, passam reto.
As ruas do centro são belas, algumas delas pelo menos. Misturam passado e modernidade. O café se foi, mas deixou muita coisa. A Antártica, o Pingüim, o D. Pedro II, uma praça, e alguns prédios de arquitetura antiga, um datado de 1927.
O Dr. Lingüiça está fechado.

Ah, a praça, o teatro e o pingüim, patrimônios culturais dessa cidade que já posso chamar de minha. Sento-me em um banco qualquer, ali há mais movimento.Uma senhora me pergunta as horas. Respondo polidamente que não sei. Na verdade não queria saber, não queria me preocupar com o tempo, pois o celular estava no bolso, bastava olhar.
Olho o o Pinguim. Não estava tão cheio quanto de costume, já devia ser tarde, aposto que a cozinha já tinha fechado. Chama-me atenção uma cena.
Quatro senhores bebem chope, deviam estar na faixa dos 50 anos. Imagino que são amigos de infância e bebem junto há muito tempo. Vejo o copo de cada um ser elevado e ir à boca, a garganta deglute levemente. Incomoda-me a visão. Será que estarei lá daqui a 30 anos? O pingüim vai estar? Mais e eu? Talvez não, mudam-se as cidades, mudam-se os amigos. Há muito tempo não bebo chope com meus amigos de infância.
Os quatro riem, naturalmente alegres, sincronizadamente alegres, cuidadosamente alegres, dosadamente alegres, artificialmente alegres. E eu assisto. Até quando vão rir? Até quando aquelas paredes verão eles rindo? Outros rindo? E eu? Até quando vou estar nesse banco? Até quando verei os outros rirem?
Bebam chope meninos, bebam chope, há demasiada metafísica nisso.

Ah, o vento esconde o calor de Ribeirão. Fecho os olhos, sinto a brisa, sinto-me livre. Abro os olhos e vejo um casal. Parecem felizes. Volto a me sentir bem, poderia haver ali alguém pra compartilhar o momento. Não sei se o momento era bom, acho que era eu que estava muito poético, mas seria bom compartilhá-lo. O casal permanece em silêncio, aquele silêncio que agrada só às pessoas quais ele não mais pode constranger. Adoro minha liberdade, mas queria um silêncio assim.

Os senhores ainda bebem, o casal entrelaça as mãos e eu olho pra cima. Não posso ver as estrelas, as luzes fortes me impedem.

Ninguém se sentou ao meu lado, acho que a sensação daquela noite era só pra mim. Quando alguém se sentará? Estarei pronto pra aceitar, ou me levantarei?

Não sei. Me levanto, o banco fica vago. Um sorriso me vem ao rosto. Sou livre. Ainda encontrarei mais senhores, mas casais, beberei mais chopes, farei mais amigos, visitarei mais pingüins e me sentarei em mais bancos.Volto pra casa, a volta é menos poética, o sono me incomoda.
Amanhã é outro dia.
Será que o Dr. Lingüiça vai estar aberto? Quero um lanche.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Tia, tia, olha o que eu desenhei!

Obs: clica na imagem que ela amplia